Américo Peças

1.

O que me proponho partilhar convosco está escrito em cinco sínteses: A essência da escola é o aprender – Aprender a Cultura, Aprender o Conhecimento, Aprender a Cidadania. Nessa exaltante viagem, professores e alunos coincidem por inteiro. São, uns e outros, aprendizes esforçados, buscadores comuns. Quando a escola falha esse propósito, é sempre o dispêndio. Não se cumpre a Escola! Não se cumprem os alunos. Não se cumprem os professores. Dispêndio é o vazio redutor, tantas vezes traumático, da ocupação do tempo sem qualidade que a escola rouba ao viver autêntico, Dispêndio agravado, no caso dos alunos, por esse tempo corresponder às idades humanas mais propícias para aprendermos a ser cidadãos cultos, livres e bondosos. É o ofício de aluno que justifica o ofício de professor. É o aprender que institui e credibiliza o ensinar. E uma segunda síntese: a pedagogia é a ciência da positividade – sustenta-se na crença absoluta que todos queremos aprender e por isso todos podemos aprender. Como nos ensina Espinosa, a “potência de ser surge da potência de compreender”. Não nascemos humanos. Fazemo-nos humanos, uns com os outros, na viagem exaltante de conhecer mundo e compreender mundo. E ainda uma terceira assunção: educar é sempre da ordem do revelar luminosidades. A aprendizagem sustenta-se na integridade, não na ferida. Aprendemos em vínculo, não com os vincos! O professor é como aquele fotógrafo, que onde outros só vêm sombra e escuro, ele descobre sempre um ponto de luz.

A profissão aprende-se em comunidade. Para sublinhar que ser professor só é possível com outros professores (e isso mesmo já não nos deve chegar!…) Ninguém é professor sozinho! É a mais perigosa das falácias! A autossuficiência, o isolamento, a clausura, o confinamento, a que a profissão tantas vezes se colou, permitiram que ignorância, obediência e submissão usurpassem a ética, a lucidez, o rigor, o diálogo e o estudo que, só eles, fundam o ser professor.

O caminho fundamental para aprender a profissão tem que ser o caminho para as periferias, para a porosidade fecunda das fronteiras, deslocando-nos do centro do poder disciplinar, do domínio do academismo e da escolástica, para o espaço do encontro.

E aprender a profissão inclui também a viagem para o deserto, esse lugar que é um não lugar e por isso nele se conjugam todos os lugares em possibilidade, os vazios fecundos, as inquietações.

O lugar da “angústia luminosa” como lhe chama Maria Gabriela Llansol.

2.

Nestes tempos de ignomínia e de tanta desumanidade, tem todo o sentido trazer aqui o que David Perkins (1998) considera a mais fundamental questão que se coloca à educação e aos professores: – “o que vale a pena aprender na escola?” O que é essência e o que é dispêndio?

De que inquietações tem de se fazer a pedagogia e a profissão de professor, para cumprirmos a síntese poderosa enunciada assim por Phillipe Meirieu (2013, p.258): “educação é a possibilidade de escapar a qualquer clausura”?

Havemos de concordar que as respostas, a existirem, estarão mais no substrato da ética, da ciência, da cultura e da política, do que estão nos enredos ensarilhados de metodologias e técnicas de transposição didática, que só acentuam a exterioridade redutora dos percursos escolares.

Por isso continuo a ter como inspiração o texto de Edgar Morin “Os sete saberes necessários à educação do futuro” (2000), atualizando e reforçando a legitimidade e a pertinência da escola e assumindo-se como matriz epistemológica, organizacional e ética para a educação no nosso tempo.

Edgar Morin faz um apelo à metacognição como cerne do conhecimento, isto é, mais do que o conhecimento em si, o importante é a compreensão e a consciencialização do processo de construção do conhecimento.

Todos nós, mas sobretudo as nossas crianças e os nossos jovens, precisamos deste tempo e desta experiência de indagação do mundo e de compreensão de si no mundo, reivindicando da escola um empenhamento sem tibiezas no cultivar da liberdade da palavra e da liberdade do pensar.

Denunciando o atomismo disciplinar e organizacional, Edgar Morin convida-nos a compreender que o conhecimento exige uma reforma do pensamento, substituindo o pensamento que separa e que reduz, pelo pensamento que distingue e que une. Percebemos claramente como os nossos currículos escolares se encontram às avessas destas premissas. E constatamos a tragédia de uma organização curricular centralista, burocrática, descendente, frustre de sentido para os aprendizes e para os professores.

A imprevisibilidade do futuro exige-nos um pensamento vivo e adaptativo a novas situações, deslocando os percursos da escola, do ensinar para o aprender. O aprender é a única realidade cognitiva.

Estamos, todos o sentimos, num mundo ameaçado pela ignorância e pela indiferença. Nada é mais importante do que a compreensão entre os seres humanos, fundada no diálogo fecundo e no afeto criador. A escola tem que fazer do desenvolvimento sociomoral, consubstanciado no trânsito exigente do egoísmo à alteridade, a finalidade primeira e permanente da sua ação.

Remeto-vos para o inspirador Relatório da Unesco 2021 a reivindicar “um novo contrato social” para a educação – um novo contrato social fundado nos Direitos Humanos: não discriminação, justiça social, respeito pela Vida, respeito pela dignidade humana, respeito pela diversidade cultural, sustentar os trânsitos educativos na ética da solicitude, da reciprocidade, da solidariedade, assumir a educação como bem comum em ordem a um futuro sustentável.

A pedagogia é uma ciência moral e o trabalho dos professores é de natureza ético-social.

Se queremos seres livres, a educação escolar tem que assentar na liberdade; se aspiramos a cidadãos democratas, a escola tem que se organizar em democracia; se queremos seres bondosos, a escola tem que se fundar em cooperação e fraternidade.

3.

Yuval Harari na sua obra “21 Lições para o século XXI” coloca-nos perante a tragédia anunciada de um cada vez maior número de cidadãos, pelo avanço biotecnológico e pela natureza da organização do trabalho, passarem a ser irrelevantes, isto é, sem voz, sem território de discurso e sem agência.

O papel da escola e dos professores tem de ter como intencionalidade fazer de cada criança, de cada jovem, um cidadão relevante. O papel da escola e dos professores tem que assentar no compromisso com a promoção e a emancipação cívica e cultural dos cidadãos.

Estamos na escola para sermos autores, e assim interpretarmos o mundo e intervirmos no mundo. Estamos na escola para aprendermos a pronunciar a palavra que convoca o progresso, a justiça e a equidade. E para sabermos distinguir, como se pergunta no Livro de Job “Onde fica o caminho para a morada da luz, e qual é o lugar da escuridão?”.

É para isso que tem que servir a escola. É para isso que temos sempre de estudar e aprender, nós, os profissionais de educação.

Referências Bibliográficas:

AAVV (2000). Novo conhecimento, nova aprendizagem. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Bohm, D. & Peat, F. (1989). Ciência, Ordem e Criatividade. Lisboa: Gradiva.
Bruner, J. (2000). Cultura da educação. Lisboa: Edições 70.
Casali, A. (2015). Ética como Fundamento Crítico da Educação Humanizadora. Actas do VI Congresso Internacional de Educação. Santa Maria: Biblos Editora.
Freire, P. (2002). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Freire, P. (2007). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. S.Paulo: Paz e Terra.
Harari, Y. (2018). 21 Lições para o Século XXI. Lisboa: Elsinore
Lave, J., & Wenger, E. (1991). Situated learning: Legitimate peripheral participation. New York: Cambridge University Press.
Meirieu, P. (2013). Pédagogie : des lieux communs aux concepts clés. Paris : ESF Éditeur.
Morin, E. (2000). Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco.
Niza, S. (2012). Escritos sobre educação. Lisboa: Tinta da China.
Nóvoa, A. (2005). Evidentemente: histórias da educação. Porto: Edições Asa.
Perkins, D. (1998). Teaching for Understanding: linking research with practice. S. Francisco: Jossey-Bass Publishers.
Perrenoud, P. (1995). Ofício de Aluno e Sentido do Trabalho Escolar. Porto: Porto Editora.
Robinson, K. (2016). Creative Schools. New York: Penguin Books.
Vigotsky, Lev. S. (1984). A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes
Wenger, E. (1998). Communities of practice: Learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University Press.

Documentos

Perfil dos Alunos para o Século XXI (2017). Lisboa: Ministério da Educação de Portugal. https://www.cnedu.pt/content/noticias/CNE/Parecer_PerfilAlunos.pdf UNESCO. (2021). Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381115

Digital

Nóvoa, A. (2016). Formação de Professores no século XXI e a perspectiva da educação integral. https://www.youtube.com/watch?v=5ILSaixhT6s
Nóvoa, A. (2009). Para uma formação de professores dentro da profissão. www.revistaeducacion.mec.es/re350/re350_09por.pdf

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