Marcos Melo de Lima
Resumo
O presente artigo analisa o surgimento e o desenvolvimento da chamada educação correcional no Brasil do século XIX, especialmente nas Casas de Correção e instituições destinadas aos menores pobres e delinquentes. A partir de relatórios ministeriais, discursos jurídicos e fontes da administração penal, discutem-se as concepções de infância, delinquência e educação moral que orientaram as políticas de controle e disciplinamento social do período. O estudo demonstra que, embora a retórica oficial exaltasse a regeneração e o trabalho como instrumentos pedagógicos, a prática institucional consolidou a criminalização da pobreza e a exclusão social de crianças e jovens. Argumenta-se que a pedagogia correcional, ao invés de promover educação e cidadania, reforçou mecanismos de vigilância e punição, perpetuando desigualdades estruturais.
Palavras-chave: Educação correcional; Infância; Punição; Casas de Correção; História da Educação.
1. INTRODUÇÃO
“A prisão não há de ser nunca casa de educação!” (Malheiros, 1880, p.99)
Essa frase sintetiza o dilema central que atravessa o debate sobre as instituições de correção no Brasil imperial: o paradoxo entre punir e educar. Durante o século XIX, a infância pobre, órfã ou considerada “vadia” passou a ser vista como um problema de ordem pública e moral. A crescente urbanização, a transição do trabalho escravo para o livre e o medo das elites diante das massas populares impulsionaram o surgimento de mecanismos de controle social da infância.
Nesse contexto, o poder público e instituições filantrópicas passaram a construir espaços destinados à “reeducação” e “disciplina moral” de crianças consideradas perigosas. No entanto, tais iniciativas revelaram mais um projeto de disciplinamento social do que uma proposta genuína de formação educativa.
O avanço da urbanização nas principais províncias brasileiras, aliado à intensificação das desigualdades sociais e à crise do sistema escravista, fez emergir uma nova categoria social: a infância pobre urbana, frequentemente associada à desordem e ao perigo moral. Esse cenário levou as autoridades imperiais e as elites locais a desenvolverem um discurso pautado na necessidade de “educar para civilizar”. A educação, entretanto, não era compreendida como direito universal, mas como instrumento de controle e regeneração daqueles que representavam ameaça à ordem. Sob tal conjuntura, os menores pobres e órfãos passaram a ser alvos de intervenções repressivas e pedagógicas, legitimadas pela retórica da caridade e da moral cristã.
A partir da década de 1830, o Estado brasileiro começou a institucionalizar espaços destinados à correção e disciplina da infância desvalida, reforçando a ideia de que o problema social poderia ser resolvido por meio do enclausuramento e do trabalho forçado. As Casas de Correção, criadas com pretensões regeneradoras, transformaram- se em ambientes de punição e exclusão, reproduzindo a lógica carcerária dentro do discurso pedagógico. O ideal de formação moral defendido por juristas e diretores penitenciários, como Bellarmino Braziliense Pessoa de Mello2, buscava moldar sujeitos dóceis e produtivos, convertendo a educação em mecanismo de controle social e em ferramenta de manutenção da hierarquia entre as classes.
Ao transformar a pobreza em delinquência e a infância em ameaça, o Estado consolidou o que Michel Foucault chamaria de “pedagogia do castigo” — uma forma de ensinar pela punição, moldando corpos e condutas dentro dos parâmetros da moral burguesa e do ideal de obediência civil.
2. A INFÂNCIA SOB SUSPEITA: CONTROLE E DISCIPLINAMENTO MORAL
Ao longo do século XIX, o poder público passou a exercer um controle cada vez mais abrangente sobre os menores desfavorecidos. As elites provinciais sentiam uma pressão intensa, especialmente para retirar esses jovens das ruas. A infância tornou-se objeto de um controle mais sistemático por parte das autoridades públicas, impulsionado pelo receio de uma possível convulsão social, que poderia ser desencadeada por escravizados e pelas massas de homens livres e pobres dos principais centros urbanos do Brasil. Cabia ao poder estatal encontrar mecanismos de vigilância e punição para esses indivíduos considerados marginalizados, vistos como uma ameaça ao equilíbrio social.
A prisão assumiu o papel principal como mecanismo punitivo para conter os chamados “desclassificados”, incluindo os menores pobres. No entanto, as Casas de Correção nunca se mostraram um ambiente propício para promover a transformação e a educação de menores delinquentes.
Entre as autoridades jurídicas, havia divergências quanto à interpretação do artigo 13 do Código Penal, que abria margem para a prisão de menores de 14 anos. Alguns juristas consideravam esse artigo excessivamente generalizante, pois permitia que menores que cometessem crimes “com discernimento” fossem recolhidos à Casa de Correção por um período determinado pelo juiz, desde que não ultrapassasse a idade de dezesseis anos do infrator. Uma parte significativa dos penalistas do período defendia que as Casas de Correção não deveriam ser utilizadas como instituições de educação para menores delinquentes. No entanto, era crucial evitar que a delinquência juvenil se tornasse “epidêmica” no Brasil. Nesse sentido, tanto as instituições filantrópicas quanto o Estado deveriam unir esforços para alcançar esse objetivo. Era necessário, segundo eles, moldar o caráter das crianças “abandonadas”, incutindo nelas o amor pelo trabalho e encaminhando-as para a disciplina e recuperação em estabelecimentos correcionais, de preferência aqueles que se afastassem do modelo prisional de celas. Até 1865, não havia no Brasil uma instituição destinada especificamente aos menores, conforme previsto no artigo 13 do Código Criminal, pois as Casas de Correção não poderiam ser classificadas como Casas de Educação correcional3.
Ao longo do século XIX, o Estado imperial brasileiro assumiu o papel de moralizador das classes populares, sob o argumento de que era necessário “regenerar” os pobres e “corrigir” os desviantes.
Os menores impúberes — geralmente filhos de libertos, órfãos ou trabalhadores urbanos — passaram a ser vistos como ameaças potenciais à ordem social.
A promulgação do Código Criminal de 1830, especialmente o artigo 13, abriu margem para a prisão de menores de 14 anos “com discernimento”, permitindo sua internação nas Casas de Correção até completarem 16 anos. Tal dispositivo legal expressa o modo como o Estado passou a tratar a infância pobre não como sujeito de direitos, mas como objeto de controle e vigilância.
A preocupação das elites não era apenas com a criminalidade, mas com a visibilidade social da pobreza. Crianças que viviam nas ruas, mendigavam ou trabalhavam informalmente passaram a ser rotuladas de “vadias”, “vagabundas” ou “abandonadas” — termos que mascaravam a dimensão estrutural da desigualdade e justificavam práticas repressivas.
3. CASAS DE CORREÇÃO E O PROJETO DE REGENERAÇÃO MORAL
As “Escolas Correcionais” destinadas a menores só surgiram no Brasil no início do século XX, seguindo o exemplo de suas contrapartes americanas4. Nos Estados Unidos, essas instituições foram estabelecidas a partir de 1825, baseadas nos rigorosos princípios religiosos dos Quakers5, principalmente como um meio de sanear o ambiente urbano.
Com o crescimento urbano nas principais capitais das províncias brasileiras na segunda metade do século XIX, a pobreza tornou-se cada vez mais evidente. Inúmeras crianças e adolescentes provenientes de famílias pobres, tanto livres como escravizadas, passaram a causar tumultos e distúrbios nas ruas das cidades, despertando a necessidade urgente de contê-los. Essa situação chamou a atenção não apenas das autoridades, mas também dos comerciantes e residentes locais, que clamavam por intervenções policiais e medidas adequadas6.
Em 1878, Bellarmino Braziliense Pessoa de Mello, diretor da Casa de Correção da Corte, sustentava a ideia de que as sociedades tinham o direito de reprimir os crimes e “punir os delinquentes”, desde que respeitando os princípios fundamentais de “justiça, humanidade e civilização”7. Para ele, essas três condições eram indispensáveis, pois sem elas as leis perderam sua eficácia em corrigir, punir e reformar aqueles que as transgredisse8. Ao violar essas condições, a sociedade deixaria de aplicar uma correção justa ao criminoso e passaria a exercer vingança. Seguindo esse pensamento, o diretor Bellarmino Braziliense Pessoa de Mello argumentava que a sociedade também compartilhava a responsabilidade pela transgressão dos delinquentes e, portanto, tinha a obrigação e o dever de buscar mecanismos que visavam à regeneração do criminoso9.
O diretor Bellarmino de Mello propugnava por um modelo penitenciário que baseava as penas conforme a natureza do delito cometido, com a possibilidade de modificações posteriores processadas no comportamento do detento. Sua tendência não se limitava a um único sistema de encarceramento, mas sim advogava pela combinação das melhores práticas observadas nos sistemas penitenciários suíço, belga, americano, inglês e francês.
Ao discorrer sobre esses distintos sistemas, o diretor Bellarmino de Mello emitiu ponderações de relevância. Em suas reflexões, destacou a imperiosa necessidade de um novo Código Criminal, alegando que a legislação não deveria se limitar unicamente à punição, mas sim almejar “oferecer uma nova formação e regenerar aqueles que cometeram delitos, tornando-os ainda úteis à sociedade”10. Para que tal transformação se concretizasse, Mello enfatizou a necessidade urgente de uma “reforma em nossa legislação penal”11. Ademais, o diretor levantou críticas em relação ao excesso de penas privativas de liberdade com trabalho, argumentando que condenar um indivíduo a vinte anos de reclusão com trabalho equivaleria praticamente a condená-lo a uma morte lenta, algo que poucos seriam capazes de suportar12. Ele considerou também como desumano impor penas de prisão com trabalho vitalício a jovens menores de 21 anos, mulheres e pessoas acima de 60 anos. Ponderou:
Comutar a pena de galés perpétua na de prisão com trabalho, quando o mísero atinge a idade de 60 anos, é bárbaro, iníquo e horroroso. É condenar o desgraçado à morte, depois de ter envelhecido sob o peso da degradante calceta e esgotado todas as suas forças em serviço público! Não há nenhum que resista, ainda por pouco tempo, a semelhante transição da vida ao ar livre e em continuados exercícios, para reclusão. E condenar indivíduos a 64 e 104 anos de prisão com trabalho, além de multa, como foram os presos 1337 e 1338, é um absurdo! E ainda mais absurdo é querer admiti-los por tanto tempo numa penitenciária! Entretanto, a parte relativa aos crimes cometidos contra a honra, é por demais deficientes. Também me parece conveniente que se tome algumas medidas para a abolição das penas de galés e de açoites, porque são evidentemente contrárias ao espírito de civilização e humanidade13.
O diretor Bellarmino de Mello expressou sua opinião a respeito da disparidade das multas aplicadas em casos de crimes contra a pessoa e contra a propriedade, ilustrando sua argumentação com exemplos concretos. Ele observou que, nessa discrepância, o condenado desprovido de bens ou fortuna era colocado em desvantagem, recebendo a pena mais severa. Todavia, o diretor não se limitou a esses aspectos, pois a seu ver, outros pontos do Código Criminal necessitavam de reformulação. Especificamente, ele considerou que o artigo 13 demandava uma revisão devido à sua generalidade, abrindo margem para a prisão de menores de 14 anos, o que ele apontava como um precedente a ser reconsiderado.
A preocupação com os jovens infratores era uma temática recorrente nos relatórios das autoridades, compreendendo Presidentes de Província, Chefes de Polícia, Juízes, Desembargadores, Administradores das Casas de Correção e Ministros da Justiça. De forma especial, esses registros se encontravam nas questões relacionadas às penalidades a serem aplicadas aos menores transgressores. Nesse contexto, esforços nesse sentido já haviam sido empreendidos no estabelecimento penal de Correção da Corte, por meio da criação de um Instituto destinado a essa finalidade, o Instituto de Menores Artesãos da Casa de Correção da Corte. Contudo, é válido mencionar que, à época do diretor Bellarmino de Mello, tal instituição já não se encontrava mais em funcionamento.
Instituído pelo Decreto n. 2.745 em 13 de fevereiro de 1861, o Instituto tinha como desígnio primordial fomentar a educação religiosa e moral dos jovens menos favorecidos. A instituição adotava uma divisão em dois grupos distintos. O primeiro englobava os menores detidos pela polícia, categorizados como “vadios, vagabundos e abandonados”, bem como aqueles cujos pais ou tutores não conseguiram corrigir suas condutas devido a uma “má índole”. No segundo grupo, encontravam-se os menores órfãos. No entanto, cerca de um ano após sua criação, o Instituto já enfrentava sérios obstáculos, caracterizados por problemas de disciplina e a fuga de internos.
Uma comissão especial foi designada para investigar minuciosamente as condições de funcionamento, aspectos financeiros, instrução moral e religiosa, além das circunstâncias relacionadas às fugas e aos castigos impostos aos internos14. É notório mencionar que a partir do ano de 1862, os ministros da Justiça passaram a requerer a transferência do Instituto da Casa de Correção, uma vez que constataram que este não estava cumprindo efetivamente com os propósitos para os quais foi criado, que consistem em proporcionar uma educação moral e religiosa aos menores15.
O diretor Bellarmino de Mello enfatizava com persistência a urgente necessidade de o governo estabelecer casas destinadas à educação correcional de menores, enquanto não houvesse uma reforma na lei. Em sua perspectiva, esses menores eram filhos ilegítimos abandonados ou órfãos que se viam envolvidos na miséria e privação educacional, mas não por conta de maus instintos16. Mello mencionou que, em 1832, na França, o conde de Argaul lançou as bases para a educação correcional de menores, enquanto, em 1839, os Srs. Bretigneres de Courteilles e Dementz fundaram a renomada Colônia de Mettray, que se tornou um exemplo notório na Europa em termos de educação correcional para menores17. Além disso, o diretor também mencionou os modelos belga e dinamarquês, nos quais os menores eram empregados na agricultura com considerável vantagem.
Aos menores delinquentes com idade inferior a quatorze anos, recolhidos à Casa de Correção, era determinado que permanecessem ali por um período não superior ao alcance de seus dezessete anos. Embora não estivessem sujeitos a nenhuma das penas estipuladas pelo Código Penal de 1830, essa medida parece contraditória — uma vez que não eram considerados culpados, mas ainda assim sujeitos a uma forma de punição. Na visão dos especialistas em direito penal, essa detenção não era concebida como uma pena, mas sim como uma maneira de suprir a falta de educação no ambiente doméstico e de prevenir a reincidência desses jovens transgressores. No entanto, críticos desse sistema apontavam que, nas Casas de Correção, a educação oferecida a eles era influenciada por criminosos mais experientes, o que gerava certas objeções ao modelo adotado.
A grande maioria dos meninos apresentados perante a Justiça provinha de famílias economicamente desfavorecidas, tanto das classes livres como dos estratos dos libertos. No caso dos jovens livres, havia uma preocupação em prepará-los para o exercício de uma profissão. No entanto, nas Casas de Correção, essa preparação tornou-se inviável. Mesmo para os detentos condenados a penas de prisão com trabalho, as oficinas disponíveis, quando existentes, não eram suficientes para acomodar todos os condenados. Para uma criança, as jornadas de trabalho seriam extremamente exaustivas e o manejo de ferramentas cortantes dentro dessas instalações poderia representar um perigo.
É incontestável que os proeminentes pensadores do sistema penitenciário do século XIX concebiam um caminho para a reabilitação dos condenados, fundamentado na implantação dos princípios da religião e do trabalho. Essa abordagem abarcava tanto os delinquentes adultos e reincidentes quanto aqueles que estavam mais suscetíveis aos perigos de uma “vida vagabunda”, como os meninos e as meninas provenientes de famílias pobres, os órfãos e os abandonados. O objetivo primordial consistia em inculcar neles o germe de uma nova perspectiva, permeada pelos valores religiosos e pela valorização do trabalho, visando proporcionar-lhes uma oportunidade real de reabilitação e evitar a recorrência de condutas transgressoras.
A preocupação das elites não era apenas com a criminalidade, mas com a visibilidade social da pobreza. Crianças que viviam nas ruas, mendigavam ou trabalhavam informalmente passaram a ser rotuladas de “vadias”, “vagabundas” ou “abandonadas” — termos que mascaravam a dimensão estrutural da desigualdade e justificavam práticas repressivas.
4. O FRACASSO DA EDUCAÇÃO CORRECIONAL E A PEDAGOGIA DO CASTIGO
Na Província do Maranhão, manifestava-se, igualmente, uma preocupação genuína com os segmentos mais exclusivos da sociedade, entre os quais se encontravam os menores desfavorecidos, tais como os pobres, órfãos, libertos e expostos. Nessa esfera de atuação, evidenciava-se uma clara inspiração em fornecer-lhes uma educação rigorosa, buscando-se, desse modo, evitar o seu envolvimento com a delinquência. A consciência da importância crucial da instrução para o aprimoramento moral e intelectual desses jovens era o mote central dessa abordagem, afirmando a escrita de que a educação, como instrumento transformador, seria capaz de mitigar as adversidades que os cercavam, oferecendo uma oportunidade concreta de um futuro mais promissor.
Nesse contexto, a Casa de Aprendizes Marinheiros se destacava como uma das principais instituições totais18. Ali, em um regime de aquartelamento, os meninos eram mantidos distantes do convívio civil e de seus familiares, para aqueles que ainda os tinham. A rotina era rigorosa e exigente: acordava às cinco horas da manhã para realizar a limpeza do quartel, cuidavam de suas próprias roupas, participavam de aulas de natação, aprendiam os rudimentos das primeiras letras, os fundamentos das ciências náuticas e recebiam instrução militar19.
O acesso às escolas de ensino básico e profissionalização representava um desafio significativo para grande parte da população de baixa renda. No Maranhão, a Casa dos Educandos Artífices, fundada em 1841, e a Escola Agrícola do Cutim, estabelecida em 1859, procuravam suprir essa carência oferecendo educação primária e treinamento em diversos ofícios20. A Escola do Cutim tinha como propósito formar trabalhadores qualificados para o setor agrícola. No entanto, de acordo com Castro, essas iniciativas mostraram-se infrutíferas, já que durante todo o período de sua existência, apenas 14 alunos se matricularam, além de enfrentarem constantes desvios de verbas. Infelizmente, a Escola do Cutim sucumbiu em 186521.
O fracasso das instituições destinadas à correção dos menores delinquentes, assim como aquelas voltadas para a sua capacitação no mundo do trabalho, tornou-se manifestamente evidente. Os menores pobres que cometiam crimes eram frequentemente encaminhados às Casas de Correção, onde, lamentavelmente, se encontravam “desprovidos e carentes de qualquer recurso intelectual e moral”, como bem observado por Perdigão Malheiros22. Privados de acesso à educação, saúde e segurança adequadas, muitos desses jovens foram vítimas de violência e até mesmo perderam suas vidas nestes cárceres insalubres. A reclusão de menores com menos de quatorze anos nas Casas de Correção revelou-se como um mal ainda maior, com consequências devastadoras.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da pedagogia correcional oitocentista revela que a educação dos menores delinquentes não se baseava em princípios pedagógicos, mas em estratégias de controle social e manutenção da ordem.
Sob o discurso da regeneração moral, o Estado brasileiro institucionalizou práticas que associavam infância, pobreza e criminalidade, naturalizando a exclusão social. A frase de Malheiros — “a prisão não há de ser nunca casa de educação” — permanece atual, pois denuncia a contradição entre a promessa de formação e a realidade punitiva que ainda ecoa em políticas de encarceramento juvenil e medidas socioeducativas contemporâneas.
A verdadeira reforma educacional não está na disciplina pelo medo, mas na emancipação pela dignidade, pela justiça e pela oportunidade. O passado das Casas de Correção convida-nos, portanto, a refletir sobre o presente: até que ponto nossas instituições educativas superaram a lógica da punição travestida de pedagogia?
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1 Doutor em História e Conexões Atlânticas pela Universidade Federal do Maranhão.
2 Cf. AZEVEDO, Moreira de. O Rio de Janeiro, sua história, monumentos, homens notáveis, usos e costumes. 3. ed. Vol. 2. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana, 1969, p. 444.
3 Cf. PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Op. cit. p.21.
4 MENEZES, Mozart Vergetti. Prevenir, disciplinar e corrigir: as escolas correcionais no Recife (1909- 1929). Recife, 1995. 170 f. Dissertação (Mestrado em História), CFCH, UFPE. Recife, 1995.
5 Cf. LONDONO, Fernando Torres. A origem do conceito menor. In: PRIORI, Mary Del (org). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991, p. 131-133.
6 Cf. FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo. HUCITEC; Salvador. EDUFBA, 1996. Em relação à vadiagem infanto-juvenil em São Luís (1850-1880). 7 PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Relatório do Ministério da Justiça do ano de 1877, apresentado pelo ministro Lafayette Rodrigues Pereira. Ministério da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1878. (Anexo 5- Relatório do Diretor da Casa de Correção da Corte), p. 3. (Grifo meu).
8 Id. Ibid. p. 3.
9 Id. Ibid.
10 Id. Ibid.
11Id. Ibid. p.17.
12 Id. Ibid.
13 Id. Ibid.
14 BRASIL. Ministério da Justiça. SINIMBÚ, João Lins Vieira Cansansão de. Relatório do Ministério da Justiça do ano de 1862, apresentado pelo ministro João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 11ª legislatura. Ministério da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1863. p. 24.
15 BRASIL. Ministério da Justiça. SINIMBÚ, João Lins Vieira Cansansão de. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 12ª legislatura. Ministério da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1864. p. 16.
16 BRASIL. Ministério da Justiça. PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Relatório do Ministério da Justiça do ano de 1877, apresentado pelo ministro Lafayette Rodrigues Pereira. Ministério da Justiça. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1878, (Anexo 5º), p.16
17 Antônio Marques Rodrigues, importante jurista e político maranhense, escreveu um longo artigo sobre o “ensino agrícola”, publicado no Jornal da Lavoura em 1875, em que fez menção à colônia de Mettray. Segundo ele, essa deveria amparar os menores de 16 anos que fossem condenados a penas correcionais devido a delitos como roubo de frutos no campo, vagabundagem e muitas vezes por incêndio. Relatou que, antes disso, esses “jovens criminosos” iam para as Casas de Correção– “prisões onde se conservavam homens condenados, endurecidos no crime, irritados contra a sociedade”. Esses jovens delinquentes, em vez de se “arrependerem, pervertiam-se cada vez mais, abraçavam conselhos malévolo, e recuperada a liberdade, cometiam novos e maiores delitos”, destacava. Marques informou ainda que em 1839 partes do edifício da colônia de Mettray estavam construídas e, somente em 1840, ela foi inaugurada, indo para lá nove internos da prisão central de Fontevrault; apontados pelo carcereiro como “os mais incorrigíveis”. Fez destaque a esse modelo disciplinar de ensino, no qual era dosada “disciplina severa e paternal”, meio pelo qual seriam salvos da “degradação, da miséria e do crime”. Nesta colônia agrícola, “as famílias” eram divididas em grupo de 40 indivíduos que ocupariam uma casa, sendo governados por um chefe que tem as suas ordens dois imediatos, com o título de “irmãos mais velhos”. A concepção educacional deste modelo correcional era também pautada no trabalho como elemento regenerador, bem como, a religião. Cf. Jornal da Lavoura, 30 nov. 1875, p.101-103.
18 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005.
19 FREIRE, Tarantini Pereira. Militarização infantil e controle social no Maranhão provincial: em busca de pequenos marinheiros para a Armada (1870-1900). 2014. 142 f. Dissertação (Mestrado em História Social) Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2014. Disponível em:
<http://www.ppghis.ufma.br/wp-content/uploads/2015/05/DissertaçãoTarantini.pdf>. Acesso em: 20 out. 2025. p. 88.
20 CASTRO, César Augusto. Infância e trabalho no Maranhão: uma história da Casa dos Educandos Artífices (1841-1889). São Luís: EDFUNC, 2007.
21 Idem. O Ensino Agrícola no Maranhão Imperial. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 48, p. 25-39 Dez. 2012. Disponível em: http://goo.gl/bwjtiJ. Acesso em: 15 de maio de 2022.
22 MALHEIROS, Carlos Perdigão. Op. cit., p. 105.
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Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, José Thomaz Nabuco de. Relatório do Ministério da Justiça de 1865. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1866.
CASTRO, César Augusto. Infância e trabalho no Maranhão: uma história da Casa dos Educandos Artífices (1841-1889). São Luís: EDFUNC, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo: HUCITEC; Salvador: EDUFBA, 1996.
FREIRE, Tarantini Pereira. Militarização infantil e controle social no Maranhão provincial: em busca de pequenos marinheiros para a Armada (1870-1900). 2014. 142 f. Dissertação (Mestrado em História Social) Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2014.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2005.
LONDONO, Fernando Torres. “A origem do conceito menor”. In: PRIORE, Mary Del (org.). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991.
MALHEIROS, Carlos Perdigão. Revista Brazileira, Tomo III, Rio de Janeiro, 1880.
MENEZES, Mozart Vergetti. Prevenir, disciplinar e corrigir: as escolas correcionais no Recife (1909-1929). Dissertação (Mestrado em História) – UFPE, 1995.
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VENÂNCIO, Renato Pinto. “Os aprendizes da guerra”. In: PRIORE, Mary Del (org.).
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